segunda-feira, 26 de março de 2007

Ainda a propósito do "Grande Português"


Mal soube da possibilidade de Salazar ser eleito o maior português de sempre (que tristeza...se ele ainda concorresse com Hitler, Estaline ou Mao-Tsé Tung... Agora com Aristedes de Sousa Mendes, Fernando Pessoa, Camões, Vasco da Gama, Infante D. Henrique, D. Afonso Henriques... enfim), lembrei-me de uma obra que já li há algum tempo mas que me parece mais actual do que nunca (também só foi editado em 2004, por isso seria sempre actual). Mas dada a conjuntura parece-me que não nos fazia mal nenhum que este livro passasse a constar dos manuais de Filosofia do secundário. Falo de O Medo de Existir, de José Gil. Como antetítulo, este livro tem Portugal, Hoje. Parece-me que a conjunção dos dois não podia ser melhor para definir muito da maneira colectiva de Portugal se pensar como país. Com esta afirmação não quero de forma nenhuma mostrar desdém pelo meu país, que adoro e que acho que tem enormes potencialidades! Mas o amor à pátria não nos pode cegar, impedindo de ver aquilo em que não somos bons ou autênticos. E ao votar-se em Salazar penso que esta "cegueira" levou a melhor.


Voltando ao livro... Nesta obra, José Gil faz uma análise dos vários aspectos que caracterizam a atitude de Portugal e dos portugueses perante o mundo e a vida de todos os dias. Sem arrogância e sempre com argumentos muito bem analisados, José Gil fala desta nossa pequenez e deste nosso medo de ir mais além; aborda também a mesquinhez que se nota no quotidiano, seja nas atitudes profissionais como pessoais. É uma reflexão que para além de nos colocar sobre o país que temos e a pátria que queremos, impõe-nos igualmente uma análise das nossas atitudes individuais e da importância que podem ter ou não para a construção de um país melhor.


Há uma parte em particular que me chamou a atenção para esta questão da "idolatria" ao salazarismo. Passo a citar:


"O 25 de Abril recusou-se, de um modo completamente diferente, a inscrever no real os 48 anos de autoritarismo salazarista. Não houve julgamentos de Pides nem de responsáveis do antigo regime. Pelo contrário, um imenso perdão recobriu com um véu a realidade repressiva, castradora, humilhante de onde provínhamos. Como se a exaltação afirmativa da «Revolução» pudesse varrer, de uma penada, esse passado negro. Assim se obliterou das consciências e da vida a guerra colonial, as vexações, os crimes, a cultura do medo e da pequenez medíocre que o salazarismo engendrou. Mas não se constrói um «branco» (psíquico ou histórico), não se elimina o real e as forças que o produzem, sem que reapareçam aqui e ali, os mesmos ou outros estigmas que testemunham o que se quis apagar e que insiste em permanecer. (...)


Num outro aspecto ainda, a não-inscrição parece mais grave por não se ter liquidado a si própria, já que a herdámos também do salazarismo. Se, num certo sentido, se disse até há pouco (hoje diz-se menos) que «nada mudou» apesar das liberdades conquistadas, é porque muito se herdou e se mantém das antigas inércias e mentalidades da época da ditadura: desde o medo, que sobrevive com outras formas, à «irresponsabilidade» que predomina ainda nos comportamentos dos portugueses.


Com efeito, no tempo de Salazar «nada acontecia» por excelencência. Atolada num mal difuso e omnipresente, a existência individual não chegava sequer a vir à tona da vida." (Gil, 2004: 16-17)


Interessante, não?

1 comentários:

Anónimo disse...

que tristeza...